A doença falciforme é a doença hereditária mais comum no mundo e no nosso país (Manual da Anemia Falciforme para a População, Ministério da Saúde, 2007). Resumidamente, ela ocorre por conta de uma mutação da hemoglobina, que, ao invés de arredondada, toma a forma de foice, tendo por isso dificuldade de circular livremente pelo corpo, ocasionado dores, em especial nos ossos, além de sintomas tais como: ictericia, infecções de repetição, inchaço em pés e mãos de bebês, ulceras nas pernas ou até mesmo derrames cerebrais em adultos. Devido à sua origem territorial (continente africano) ela é prevalente na população negra, embora não seja exclusiva deste grupo. Apesar da gravidade da doença a atenção de cuidados a ela é recente. (maiores informações sobre a doença pode ser encontrada em nossa biblioteca virtual, na aba "publicações" ou no folder disponível AQUI) Membro do Comitê Técnico de Saúde da População Negra na SES, o Médico Pediatra e Hematologista Paulo Ivo, é nosso entrevistado de hoje:
AGEP: Como surgiu seu interesse em atuar com
essa temática?
Paulo Ivo: Eu era pediatria generalista no IPPMG e o Ministério da Saúde credenciou a minha
instituição como Centro de Referência em Capacitação de Recursos Humanos em Doença Falciforme. A prof. Clelia Osório Berthier, coordenadora do centro na
época, me convidou para participar da equipe de pediatras assistente que iriam
atender as crianças com a doença Falciforme . Comecei atendendo, me envolvi com
as questões específicas da doença e suas dificuldades sociais e raciais, e assim
senti necessidade e desejo de fazer a especialização em Hematologia Pediátrica.
Me especializei no atendimento a estas crianças e assim hoje coordeno o Centro
de Referência
AGEP: Quais os principais desafios que os
portadores da doença enfrentam?
Paulo Ivo: O principal desafio ainda é a invisibilidade da doença na nossa sociedade , no
sistema de saúde e em todas as outras áreas de atuação como educação,
previdência, trabalho e etc. Além disto é impossível dissociar esta
invisibilidade do racismo institucional ainda muito cristalizado na sociedade.
Isto leva a uma assistência em saúde de má qualidade. Por outro lado o
desconhecimento técnico sobre a doença de vários profissionais de saúde do SUS
permite ainda taxas de mortalidade e morbidade muito elevadas. Apesar de
estarmos construindo uma rede de atenção à saúde de qualidade para esta pessoas
, os eventos agudos que promovem sofrimento, seqüelas e muitas vezes a morte
ocorre na rede de urgências e emergências cujo profissionais ainda não estão
capacitados para atender com qualidade estes pacientes .
AGEP: Onde e como a pessoa com Doença
Falciforme pode buscar informações e atendimento no Estado do Rio de
Janeiro?
Paulo Ivo: Hoje temos uma rede de ambulatório de atenção básica especializada,
descentralizada, pactuada na CIB em 2012, e coordenada pela política estadual de
atenção integral às pessoas com doença Falciforme que atende todas as crianças
diagnosticadas pela triagem Neonatal. Estas crianças são cadastradas no
hemocentro coordenador - Hemorio, e são acompanhadas nas unidades
descentralizadas por pediatras generalistas capacitados no IPPMG-UFRJ.
Anualmente estas crianças retornam ao HEMORIO para ações de saúde de maior
complexidade. Temos 30 municípios pactuados para terem ambulatórios com 23 em
funcionamento, com 1 ambulatório por município, exceto o do Rio de Janeiro que
tem 10 ambulatórios ( 1 por área programática). As informações podem ser
conseguidas no HEMORIO, no GT de doenca falciforme da SES ou na hemorrede.
AGEP: Qual a importância de se pensar em
políticas de saúde voltadas para a população com doença falciforme?
Paulo Ivo: Faz-se necessária uma política de saúde voltada para esta população por se
tratar de uma doença genuinamente ligada a etnia negra e portanto aos
afrodescendentes e por ser uma doença de incidência muito alta. No Rio de
Janeiro para cada 1200 fluminenses que nascem vivos, 01 tem Doença Falciforme.
Ela deve estar inserida numa preocupação maior que é a saúde da população negra,
segmento grande da nossa sociedade ainda muito vulnerável, marginalizado e que
mostra indicadores de iniqüidade em saúde bem graves. Por fim por se tratar de
doença genética as principais estratégias de ação são: diagnóstico precoce -
Triagem Neonatal e a inclusão destas pessoas diagnosticadas num Programa de
atenção integral. Este programa deve ser multiprofissional, humanizado,
descentralizado, e que trabalhe os riscos gerados pela doença através de uma
assistência qualificada, com educação em saúde, privilegiando a essência do
auto cuidado, medidas profiláticas e preventivas.
Paulo Ivo Cortez de Araújo é Hematologista pediátrico do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão
Gesteira da UFRJ, Coordenador do Centro de Referência em Capacitação de Recursos Humanos em Doença Falciforme no IPPMG - UFRJ, Coordenador do GT de doença Falciforme da SES RJ, Membro da Comissão de Assessoramento Técnico da Política de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme do Ministério da Saúde, Presidente do Comitê de Oncohematologia da Sociedade de Pediatria do Estado
do Rio de Janeiro e Membro titular da cadeira Kwaku Ohene Frempong da Academia Brasileira de Arte e Cultura Africana.
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