quarta-feira, 31 de julho de 2013

Ciclo de Entrevistas: A transexualidade e os desafios na saúde e na sociedade.

Entrevistada: Kathyla Katheryne Valverde. 
Musicista, transexual, niteroiense, moradora da cidade do Rio de Janeiro.

 

1) Como é o seu dia-a-dia em nossa sociedade? Quais as principais dificuldades que você enfrenta?
R: Bem, o meu dia-a-dia é de constante luta para quebrar os paradigmas do preconceito social e da discriminação. São olhares atravessados nas ruas, deboches, vergonha das pessoas, negação de meus direitos, entre outros. A minha maior dificuldade está relacionada à inserção no mercado de trabalho, isso porque, além de ser negra, sou mulher transexual, o que tem um peso diferente na hora de qualquer contratação. O que me parece, é que quando percebem isso, as portas se fecham. As pessoas me enxergam pela minha orientação sexual e não pela competência profissional que tenho.

2)  Quais os principais motivos que levam as Transexuais a procurarem os serviços de saúde?
R: São vários. Vai desde a necessidade de fazer mudanças corpóreas, como a hormonioterapia com acompanhamento endocrinológico, a colocação de próteses mamárias e de glúteo, até a cirurgia de trangenitalização com  acompanhamento ambulatorial regular.

3)  Como você vê o acesso das Transexuais ao processo transexualizador em nosso estado?
R: Eu vejo que o mesmo precisa passar por profunda reforma. O programa começou a funcionar no nosso estado em 2003 e temos em 2013, dez anos depois muitas pacientes aguardam esse tão sonhado procedimento que deveria se consumar com a emissão de um laudo psiquiátrico ao se completar 02 anos de acompanhamento no programa. A média de espera por esse serviço tem sido de 06 anos o que eu considero muito tempo de sofrimento para quem está aguardando, como é o meu caso há 05 anos nessa expectativa. Cabe ressaltar, que a Portaria 457 de 19 de Agosto de 2008 do Ministério da Saúde, em seu Art. 1º define - “Aprovar, na forma dos Anexos desta Portaria a seguir descritos, a Regulamentação do Processo Transexualizador no âmbito do Sistema Único de saúde – SUS”. Essa é uma reivindicação da classe, que está no relatório da 2ª Conferência Estadual LGBT de 2011: “Dar acesso às travestis e às transexuais para o atendimento em hormonioterapia, mudanças corporais (Próteses de mama, glúteo e todos os insumos necessários) e o acompanhamento de equipe multidisciplinar, independente de processo de trangenitalização.” Estamos batalhando para que, de acordo com a Política Nacional de Saúde Integral LGBT (2009), o Ministério da Saúde, junto ao Governo do Estado cumpra com suas responsabilidades e atribuição preconizadas na referida Política. Digo isso, porque até o momento o que nos tem sido é ofertado é precário.

4) O que você tem a dizer para as outras Travestis e Transexuais que recorrem a métodos agressivos à saúde na busca da transformação do seu corpo?
R: Como a própria pergunta sugere, todo “método agressivo” nos causa danos irreparáveis. Penso que a automutilação, o uso de silicone industrial e a hormonização sem a devida orientação médica, se constituem um enorme contrassenso com a nossa própria saúde. Temos que buscar acompanhamento hormonal com orientação médica, pois as transformações por essa via são progressivamente eficazes sem causar dano físico em comparação com o uso de silicone industrial, que pode migrar a médio/longo prazo para outras partes do corpo, deformando-o e causando uma dor crônica na região migrada. Entendo que esse processo de acompanhamento “progressivo” demanda tempo e informação e que nem todas as meninas tem acesso aos serviços, mas é fundamental que nos esforcemos para acontecer desta forma para evitarmos deformações e afastarmos o risco de morte.