sexta-feira, 17 de maio de 2013

Ciclo de Entrevistas: Doença Falciforme e a Saúde da População Negra

A doença falciforme é a doença hereditária mais comum no mundo e no nosso país (Manual da Anemia Falciforme para a População, Ministério da Saúde, 2007).  Resumidamente, ela ocorre por conta de uma mutação da hemoglobina, que, ao invés de arredondada, toma a forma de foice, tendo por isso dificuldade de circular livremente pelo corpo, ocasionado dores, em especial nos ossos, além de sintomas tais como: ictericia, infecções de repetição, inchaço em pés e mãos de bebês, ulceras nas pernas ou até mesmo derrames cerebrais em adultos. Devido à sua origem territorial (continente africano) ela é prevalente na população negra, embora não seja exclusiva deste grupo. Apesar da gravidade da doença a atenção de cuidados a ela é recente. (maiores informações sobre a doença pode ser encontrada em nossa biblioteca virtual, na aba "publicações" ou no folder disponível AQUI) Membro do Comitê Técnico de Saúde da População Negra na SES, o Médico Pediatra e Hematologista Paulo Ivo, é nosso entrevistado de hoje:
 
Dr. Paulo Ivo

 AGEP: Como surgiu seu interesse em atuar com essa temática? 
Paulo Ivo: Eu era pediatria generalista no IPPMG e o Ministério da Saúde credenciou a minha instituição como Centro de Referência em Capacitação de Recursos Humanos em Doença Falciforme. A prof. Clelia Osório Berthier, coordenadora do centro na época, me convidou para participar da equipe de pediatras assistente que iriam atender as crianças com a doença Falciforme . Comecei atendendo, me envolvi com as questões específicas da doença e suas dificuldades sociais e raciais, e assim senti necessidade e desejo de fazer a especialização em Hematologia Pediátrica. Me especializei no atendimento a estas crianças e assim hoje coordeno o Centro de Referência

AGEP: Quais os principais desafios que os portadores da doença enfrentam? 
Paulo Ivo: O principal desafio ainda é a invisibilidade da doença na nossa sociedade , no sistema de saúde e em todas as outras áreas de atuação como educação, previdência, trabalho e etc. Além disto é impossível dissociar esta invisibilidade do racismo institucional ainda muito cristalizado na sociedade. Isto leva a uma assistência em saúde de má qualidade. Por outro lado o desconhecimento  técnico sobre a doença de vários profissionais de saúde do SUS permite ainda taxas de mortalidade e morbidade muito elevadas. Apesar de estarmos construindo uma rede de atenção à saúde de qualidade para esta pessoas , os eventos agudos que promovem sofrimento, seqüelas e muitas vezes a morte ocorre na rede de urgências e emergências cujo profissionais   ainda não estão capacitados para atender com qualidade estes pacientes . 

AGEP: Onde e como a pessoa com Doença Falciforme pode buscar informações e atendimento no Estado do Rio de Janeiro? 
Paulo Ivo: Hoje temos uma rede de ambulatório de atenção básica especializada, descentralizada, pactuada na CIB em 2012, e coordenada pela política estadual de atenção integral às pessoas com doença Falciforme que atende todas as crianças diagnosticadas pela triagem Neonatal. Estas crianças são cadastradas no hemocentro coordenador - Hemorio, e são acompanhadas nas unidades descentralizadas por pediatras generalistas capacitados no IPPMG-UFRJ. Anualmente estas crianças retornam ao HEMORIO para ações de saúde de maior complexidade. Temos 30 municípios pactuados para terem ambulatórios com 23 em funcionamento, com 1 ambulatório por município, exceto o do  Rio de Janeiro que tem 10 ambulatórios ( 1 por área programática). As informações podem ser conseguidas no HEMORIO, no GT de doenca falciforme da SES ou na hemorrede. 

AGEP: Qual a importância de se pensar em políticas de saúde voltadas para a população com doença falciforme? 
Paulo Ivo: Faz-se necessária uma política de saúde voltada para esta população por se tratar de uma doença genuinamente ligada a etnia negra e portanto aos afrodescendentes e por ser uma doença de incidência muito alta. No Rio de Janeiro para cada 1200 fluminenses que nascem vivos, 01 tem Doença Falciforme. Ela deve estar inserida numa preocupação maior que é a saúde da população negra, segmento grande da nossa sociedade ainda muito vulnerável, marginalizado e que mostra indicadores de iniqüidade em saúde bem graves. Por fim por se tratar de doença genética as principais estratégias de ação são: diagnóstico precoce - Triagem Neonatal e a inclusão destas pessoas diagnosticadas num Programa de atenção integral. Este programa deve ser multiprofissional, humanizado, descentralizado, e que trabalhe os riscos gerados pela doença através de uma assistência qualificada, com educação em saúde, privilegiando a essência do auto cuidado, medidas profiláticas e preventivas. 

Paulo Ivo Cortez de Araújo é Hematologista pediátrico do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira da UFRJ, Coordenador do Centro de Referência em Capacitação de Recursos Humanos em Doença Falciforme no IPPMG - UFRJ, Coordenador do GT de doença Falciforme da SES RJ, Membro da Comissão de Assessoramento Técnico da Política de Atenção Integral às Pessoas com Doença Falciforme do Ministério da Saúde, Presidente do Comitê de Oncohematologia da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro e Membro titular da cadeira Kwaku Ohene Frempong da Academia Brasileira de Arte e Cultura Africana.


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